O que é um ídolo?
Uma pessoa jovem e linda? Alguém com cara de artista?
Mas o que é isso, “cara de artista”?
Pensemos nos grandes artistas do Brasil. Alguns dos que
admiro muito, por exemplo: Zé Ramalho, Caetano Veloso, Erasmo Carlos, Ednardo...
Será que eles têm “cara de artista”? Acho que têm mais cara de pessoas
“comuns”, mesmo. Cara de nossos vizinhos. E o que são? Grandes compositores,
ilustres participantes da música brasileira. Já deixaram seu legado, já
escreveram suas histórias na MPB. E, apesar de tudo o que são, será que estão
errados? Será que deveriam ter mudado de visual? Ou será que deveriam ter
desistido antes mesmo de começar, por não parecerem artistas?
Qual é a aparência de alguém que tem “cara de artista”? E
por que diabos isso deveria ser importante? Isso influencia a música que está
sendo feita? O momento quando produzimos arte sofre influência de nosso aspecto
físico? Bem, talvez sim – se a arte que fazemos reflete o que somos, talvez até
a aparência entre na jogada nesta hora –, mas será que ela é melhor ou pior
dependendo de nossas carinhas?
Alguns amigos já me deram toques muito bacanas sobre eu usar
uma maquiagem para que meu rosto não ficasse apagado no palco, ou sobre eu usar
roupas que tivessem mais a ver com minha identidade, que dissessem mais sobre
mim. Gostei dos toques: vez ou outra me maquio; vez ou outra tento usar uma
roupa mais adequada ao meu estilo. Digo isso para deixar claro que, para mim, a
questão da aparência não é um tabu. Me considero até vaidosa demais (uma
vaidade bem ímpar e pouco aparente, é verdade). Mas o
que me desagrada é a aparência exigida por produtores, empresários, gravadoras;
aquela ligada a um produto, mercadológica – portanto, vazia. Nunca sofri este
tipo de pressão, e não sei sofrerei algum dia. Mas fico bastante contrariada ao
pensar que esta questão pode ser tão importante quanto – ou muito mais do que –
aquela do talento, da musicalidade.
Parece que só a beleza unânime é aceita. Ok, o exótico/extravagante
ainda é permitido, mas mais no meio do rock ou em outros ambientes um pouco
mais livres. A grande mídia exige (e nós nos acostumamos a exigir também)
artistas lindos, bem arrumados, com aparência limpa e bem cuidada. Assepsia
artística. Afinal, um cantor extremamente “feio” e desarrumado nos tiraria da
zona de conforto. Nos obrigaria a procurarmos suas qualidades verdadeiras.
Teríamos que pensar sobre isso, e teríamos que chegar à conclusão de que
aparência não é nada. Perigoso. E, ainda por cima, teríamos que lidar com a
realidade, com a qual já lidamos todos os dias, no espelho, nas ruas. Na hora
de sentarmos em frente à TV, queremos esquecer da vida lá fora: estranha, tão
cheia de pessoas diferentes, cada uma com um jeito, com manias esquisitas...
Lembro que um amigo, que trabalha com atores de TV, me disse que infelizmente
neste ramo a beleza e a magreza são importantíssimas, porque até mesmo os espectadores
acima do peso, por exemplo, não querem se ver na tela (grandes atores com
sobrepeso, por favor, encaminhem-se para o teatro, local onde se aceita gente “diferente”,
estranha, maluca, libertina etc. Ah, e talentosa também, mas isto é só um
detalhe). Não querem olhar para um ator obeso: querem ver na novela o ideal de
beleza, para que se sintam bem longe da realidade. Ou seja, acabamos jogando
contra nós mesmos. O normal agora é ser perfeito. Fora disso, é a anormalidade.
E esta nossa anormalidade, tratemos de varrê-la para debaixo do tapete. Nossos
quilinhos a mais, nosso rosto que não é de beleza clássica. O nariz grande, os fios
brancos... Tudo isso são deficiências. E me parece que na grande mídia não há espaço
para detalhes tão sórdidos como nossas características marcantes.
(Existem ainda muitos artistas que saem do padrão. Mas me
parece que a exigência de uma aparência perfeita está crescendo
desmesuradamente nos últimos anos. Acredito, é claro, que nesta época de tantas
mudanças e pequenas grandes revoluções que vivemos, esta questão seja cada dia
mais abordada, mudando muitas cabeças e levando à liberdade e ao fim da
imposição de apenas uma estética. Mas a mídia informal, que tem disseminado
tantos textos e artigos sobre a beleza livre de padrões, ainda é pequena quando
comparada às TVs e aos jornais físicos.)
Aparência é algo rápido (e não só no sentido de mudar com o
passar dos anos): é aquilo que vemos logo de cara, o raso, o externo. Acredito
que esta importância de se cultivar a aparência seja uma forma de não nos
aprofundarmos no conteúdo. Se a embalagem estiver muito boa, fiquemos nela.
Para que abrir? Talvez o que haja do lado de dentro não seja nada interessante.
Permaneçamos, então, no rosto, no corpo.
Tão diferente da verdadeira beleza. Aquela que podemos
olhar, olhar e olhar, investigar, sem nunca enjoarmos. Ela é resistente e
perene, podemos abrir sua embalagem e encontraremos um conteúdo que não irá nos
decepcionar. Uma de minhas frases favoritas, do matemático e grande pensador
Newton da Costa, a define bem: “a verdadeira beleza resiste à familiaridade”. O
realmente belo não tem medo de acabar e deixar de sê-lo, pois é imortal. Como a
obra de Chiquinha Gonzaga, Dominguinhos, Jackson do Pandeiro, John Lennon...
Lindos, todos.
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