sábado, 11 de janeiro de 2014

Fazendo bonito

O que é um ídolo?
Uma pessoa jovem e linda? Alguém com cara de artista?
Mas o que é isso, “cara de artista”?
Pensemos nos grandes artistas do Brasil. Alguns dos que admiro muito, por exemplo: Zé Ramalho, Caetano Veloso, Erasmo Carlos, Ednardo... Será que eles têm “cara de artista”? Acho que têm mais cara de pessoas “comuns”, mesmo. Cara de nossos vizinhos. E o que são? Grandes compositores, ilustres participantes da música brasileira. Já deixaram seu legado, já escreveram suas histórias na MPB. E, apesar de tudo o que são, será que estão errados? Será que deveriam ter mudado de visual? Ou será que deveriam ter desistido antes mesmo de começar, por não parecerem artistas?
Qual é a aparência de alguém que tem “cara de artista”? E por que diabos isso deveria ser importante? Isso influencia a música que está sendo feita? O momento quando produzimos arte sofre influência de nosso aspecto físico? Bem, talvez sim – se a arte que fazemos reflete o que somos, talvez até a aparência entre na jogada nesta hora –, mas será que ela é melhor ou pior dependendo de nossas carinhas?
Alguns amigos já me deram toques muito bacanas sobre eu usar uma maquiagem para que meu rosto não ficasse apagado no palco, ou sobre eu usar roupas que tivessem mais a ver com minha identidade, que dissessem mais sobre mim. Gostei dos toques: vez ou outra me maquio; vez ou outra tento usar uma roupa mais adequada ao meu estilo. Digo isso para deixar claro que, para mim, a questão da aparência não é um tabu. Me considero até vaidosa demais (uma vaidade bem ímpar e pouco aparente, é verdade). Mas o que me desagrada é a aparência exigida por produtores, empresários, gravadoras; aquela ligada a um produto, mercadológica – portanto, vazia. Nunca sofri este tipo de pressão, e não sei sofrerei algum dia. Mas fico bastante contrariada ao pensar que esta questão pode ser tão importante quanto – ou muito mais do que – aquela do talento, da musicalidade.
Parece que só a beleza unânime é aceita. Ok, o exótico/extravagante ainda é permitido, mas mais no meio do rock ou em outros ambientes um pouco mais livres. A grande mídia exige (e nós nos acostumamos a exigir também) artistas lindos, bem arrumados, com aparência limpa e bem cuidada. Assepsia artística. Afinal, um cantor extremamente “feio” e desarrumado nos tiraria da zona de conforto. Nos obrigaria a procurarmos suas qualidades verdadeiras. Teríamos que pensar sobre isso, e teríamos que chegar à conclusão de que aparência não é nada. Perigoso. E, ainda por cima, teríamos que lidar com a realidade, com a qual já lidamos todos os dias, no espelho, nas ruas. Na hora de sentarmos em frente à TV, queremos esquecer da vida lá fora: estranha, tão cheia de pessoas diferentes, cada uma com um jeito, com manias esquisitas... Lembro que um amigo, que trabalha com atores de TV, me disse que infelizmente neste ramo a beleza e a magreza são importantíssimas, porque até mesmo os espectadores acima do peso, por exemplo, não querem se ver na tela (grandes atores com sobrepeso, por favor, encaminhem-se para o teatro, local onde se aceita gente “diferente”, estranha, maluca, libertina etc. Ah, e talentosa também, mas isto é só um detalhe). Não querem olhar para um ator obeso: querem ver na novela o ideal de beleza, para que se sintam bem longe da realidade. Ou seja, acabamos jogando contra nós mesmos. O normal agora é ser perfeito. Fora disso, é a anormalidade. E esta nossa anormalidade, tratemos de varrê-la para debaixo do tapete. Nossos quilinhos a mais, nosso rosto que não é de beleza clássica. O nariz grande, os fios brancos... Tudo isso são deficiências. E me parece que na grande mídia não há espaço para detalhes tão sórdidos como nossas características marcantes.
(Existem ainda muitos artistas que saem do padrão. Mas me parece que a exigência de uma aparência perfeita está crescendo desmesuradamente nos últimos anos. Acredito, é claro, que nesta época de tantas mudanças e pequenas grandes revoluções que vivemos, esta questão seja cada dia mais abordada, mudando muitas cabeças e levando à liberdade e ao fim da imposição de apenas uma estética. Mas a mídia informal, que tem disseminado tantos textos e artigos sobre a beleza livre de padrões, ainda é pequena quando comparada às TVs e aos jornais físicos.)
Aparência é algo rápido (e não só no sentido de mudar com o passar dos anos): é aquilo que vemos logo de cara, o raso, o externo. Acredito que esta importância de se cultivar a aparência seja uma forma de não nos aprofundarmos no conteúdo. Se a embalagem estiver muito boa, fiquemos nela. Para que abrir? Talvez o que haja do lado de dentro não seja nada interessante. Permaneçamos, então, no rosto, no corpo.
Tão diferente da verdadeira beleza. Aquela que podemos olhar, olhar e olhar, investigar, sem nunca enjoarmos. Ela é resistente e perene, podemos abrir sua embalagem e encontraremos um conteúdo que não irá nos decepcionar. Uma de minhas frases favoritas, do matemático e grande pensador Newton da Costa, a define bem: “a verdadeira beleza resiste à familiaridade”. O realmente belo não tem medo de acabar e deixar de sê-lo, pois é imortal. Como a obra de Chiquinha Gonzaga, Dominguinhos, Jackson do Pandeiro, John Lennon... Lindos, todos.

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