Outro dia
fui fazer uma participação no show do Forró de Rabeca, lá na rua do Ouvidor, e
algo interessante aconteceu. Antes do show começar, fiquei bastante tempo
conversando com a Ciça, que faz o trabalho essencial de passar o chapéu pelo
público – o show é aberto, então a grana do público tem que ser arrecadada
assim – e ela me explicou que, com toda a paciência, tinha que ficar explicando
vez ou outra para os frequentadores: “pessoal, é melhor colaborar com R$ 3,00
do que ter que ir para um espaço fechado e ter que pagar R$ 10,00 ou 15,00 para
entrar, vamos colaborar para que o show possa continuar acontecendo na rua?” A
coisa tinha que ser quase que didática para que funcionasse minimamente bem.
Pouco antes
de eu entrar no palco Ciça já estava na função, e eu quis colaborar
humildemente. Só tinha uma nota de R$ 10,00 e voltaria de ônibus, então queria
doar R$ 6,00 e pegar R$ 4,00 do chapéu, de troco. Alcancei Ciça, que neste
momento tentava convencer um rapaz com uma lata de cerveja
na mão a colaborar com o forró. Vi rapidamente que o guri risonho se esquivava,
fazendo gracejos, e quando expliquei a ela (e não a ele) que eu pegaria o troco
- Ciça até disse, gentilmente: “não precisa, você vai cantar!” –, o mesmo rapaz
que não estava colaborando ocupou-se
rapidamente de mim e disse: “Olha, hein, Deus está vendo! Pegando o troco...”.
Apertei uma de suas mãos e, olhando em seus olhos, perguntei: “Você já
colaborou?” A resposta: “Se eu colaborei? Não...”
Descrevo
este acontecido porque me chamou muito a atenção o fato do rapaz achar ser um tabu o ato de colaborar pegando o
troco. Acho que talvez para ele, na verdade, colaborar
espontaneamente, em si, já seja algo bem
novo e estranho.
Isso me fez
pensar muito. Talvez estejamos lidando com a colaboração
espontânea de uma forma ainda um pouco envergonhada-desengonçada. A amiga Maga Schüle já
havia comentado isso comigo. Perguntei a ela certa vez sobre alguns aspectos de
se trabalhar nos metrôs cariocas: qual era o valor mais doado, que tipo de
coisas bonitas/grosserias ela e seu parceiro já tinham ouvido, e se os doadores
tinham o hábito de colaborar pegando troco. Maga respondeu a esta última
dizendo que apenas uma vez isso havia acontecido por aqui. Com esta informação
ficou mais uma vez confirmada, para mim, a timidez/falta de hábito/falta de
jeito do brasileiro ao colaborar com a arte que se faz na rua/no metrô; a falta
de jeito com a colaboração espontânea.
Fiz uma
campanha de crowdfunding em 2012 e foi muito bacana. Ainda não havia tantas
pessoas se utilizando desta ferramenta quanto hoje, mas consegui arrecadar o
valor que havia estipulado. E neste processo notei que vários amigos souberam,
deram a maior força, compartilharam, mas, por ainda não entenderem muito bem aquela filosofia, aquela
ideia de colaborar com o valor que pudessem, acabaram não colaborando.
Para muitas
pessoas, ainda hoje, em 2015, a ideia do financiamento coletivo ainda é um
pouco estranha. Colocar R$ 2,00 no chapéu ainda incomoda. A ideia de
colaborar na Vakinha ainda não desce muito bem.
É doido, mas
parece que preferimos um preço institucionalizado. Preferimos o preço
protocolar, preferimos a obrigatoriedade. Por quê? É muito mais interessante,
para mim, poder escolher um preço que caiba no meu orçamento e na minha
realidade. Gosto muito de colaborar com projetos que ainda vão acontecer; gosto
muito de poder ajudar para que um show que acontece em um espaço aberto
continue acontecendo.
Seria interessante considerarmos o fato de que é muito mais jogo nos ajudarmos, colaborarmos, do que ficarmos todos
insatisfeitos com as poucas opções, ou com as opções caras. Estamos em uma época de
grande efervescência cultural, e talvez isso se deva a esta atitude de “colocar
o bloco na rua”, em vários sentidos, seja na praça, seja colocando um projeto
na roda; e talvez a culpa disso seja essa busca pela ajuda dos amigos e
admiradores. Se já está dando certo, mesmo que ainda com bem menos adesão do
que poderia ter, imagine o que acontecerá quando a colaboração espontânea se
tornar ainda mais... espontânea?