domingo, 16 de outubro de 2016

Trabalho invisível

Ultimamente, quando alguém me pergunta o que tenho feito ("E aí? Cantando muito?"), tenho dito sempre o mesmo: sim, tenho ensaiado bastante, e isso está me deixando muito satisfeita. Mas essas palavras, ao vento, não fazem jus ao que está acontecendo. Até mesmo porque trata-se de uma pergunta retórica, muitas vezes, e não vem ao caso me alongar na hora.
Mas, para quem mais quiser saber como andam as coisas e o que venho fazendo etc., tem esse texto aqui – que precisava escrever para mim, de qualquer jeito.
O lance é: venho fazendo um trabalho invisível. E, que incrível, há tempos não me sentia tão bem artisticamente como agora.
E neste momento, com este trabalho invisível, não há nada imediato. O processo é tranquilo e tem seu tempo, e não há urgência em mostrar resultados. Há uma necessidade de estar constantemente ensaiando e criando, mas estranhamente não há muita ansiedade, nem angústia. Não há desespero em afirmar que se está em atividade. Porque há aquela sensação inigualável de se estar fazendo o que tem de ser feito.
É engraçado que quando trabalhamos com artes – em qualquer área das artes –, geralmente queremos e precisamos falar sobre nossos trabalhos, ou melhor: precisamos mostrar ações, resultados. E a cada incentivo, a cada compra de produto (CD, livro, quadro), a cada pessoa que diz ali, na rede social, que se emocionou com algo nosso, nos sentimos amparados. Sentimos que está tudo indo bem, que as coisas estão seguindo como deveriam.
Acho que de forma geral acabamos relacionando a felicidade de sermos artistas ao reconhecimento de quem nos cerca, à aprovação de outras pessoas. O carinho de terceiros é muito valioso para nós, e acaba tendo mais importância até do que o ato de – por exemplo – sumirmos para o mundo, pensando no que estamos fazendo. Acaba, lamentavelmente, sendo mais valiosa esta aprovação e legitimação de outrem do que o ato de criarmos, sozinhos ou acompanhados (mas longe das atenções, dos holofotes), sem qualquer registro em vídeo ou foto.
Este ano, em abril, iniciei uma série de ensaios com o guitarrista Pedro Costa, e desde lá coisas muito importantes vêm acontecendo comigo. Porque certamente este tempo que estou tirando para investir em minhas músicas era algo que há tempos eu precisava fazer; ou melhor: era algo que eu estava esperando que eu fizesse há tempos.
Eu precisava parar e me concentrar na minha criação e no que eu queria dizer musicalmente. Sobre o que eu queria falar? A respeito de quê, exatamente, eu tinha/tenho necessidade de me expressar? Que tipo de melodia quero fazer? Com qual tipo de música eu me identifico para falar sobre este ou aquele assunto? Qual mensagem quero passar para mim, e para quem mais quiser me ouvir? Que tipo de sonoridade me traduz melhor? Quais palavras preciso pronunciar? Quais trechos de canções deixei de lado e preciso retomar?
Fico satisfeita em poder finalmente colocar em prática algo que precisava fazer há tempos, e principalmente porque a falta disso era algo que estava me frustrando. Faltava algo – e acho que sempre vai faltar, visto que somos feitos dessa inquietação e vontade de evoluir – mas era uma falta que eu sabia que existia e não queria resolver imediatamente. Protelei bastante (e ainda assim penso que está acontecendo na hora certa), mas finalmente encarei. E lembro como me senti no dia do primeiro ensaio. Fui à rua logo depois, participar de uma performance, e uma sensação de libertação estava bem intensa dentro de mim. Sensação de que agora, sim, estava começando a resolver o que tinha que ser resolvido. Esta sensação me deu muita paz.
Certo dia – há dois anos, já – tive que pensar sobre esta questão do aval dos outros. Eu havia deixado, à noite, dois vídeos meus subindo no Facebook. Ambos já estavam no YouTube e eu já os havia divulgado. No dia seguinte, de manhã, fui conferir se os vídeos haviam mesmo sido publicados pelo Facebook e vi vários comentários de amigos que haviam adorado os dois vídeos que fiz. Além de descobrir naquele dia que quando um vídeo é publicado pelo próprio Facebook o alcance é muito maior do que quando se coloca o link para o YouTube ou Vimeo (pois o Facebook espertamente divulga bem melhor aquela publicação), descobri como eu me guiava pela legitimação dos outros. Eu, que andava um pouco desanimada, ao ver tantas pessoas curtindo, elogiando, falando que amaram aquelas músicas e minha interpretação, me senti nova em folha. Me senti querida e pronto, o desânimo foi momentaneamente embora. Pouco depois me avaliei: como assim? Apenas quando “aprovam” o que faço me sinto motivada? Isso reverberou bastante tempo em mim e me fez abrir muito os olhos em relação à importância que damos a qualquer opinião que não seja a nossa. 
                Mas acho que entendi que os momentos mais valiosos são esses do recolhimento e do pensar sobre si como artista. São esses da criação, de conseguir transformar em arte o que se está sentindo, o que se vê, o que se vive. Mostrar depois o que se criou é necessário e faz parte da ação artística – a ideia é comunicar, também –, mas o fato de gostarem ou não deveria ser só um detalhe. Quem tem que gostar, mesmo, somos nós. Tão difícil quanto libertador entender (e incorporar  algo que ainda não consegui fazer totalmente) que já é uma grande conquista gostar de si mesmo como artista.