sábado, 30 de novembro de 2013

Professores

Há uns dois meses quero escrever sobre os professores que passaram por minha vida. Com a greve dos professores, eu, que divido minha rotina com um professor de artes e tenho uma irmã professora de filosofia, me senti bastante envolvida com a questão. Estive em manifestações e, principalmente, conversei com eles e outros amigos (também professores) sobre a questão.
Como este é um blog sobre o meu ofício (cantora), pensei que seria interessante falar sobre os professores de voz e teatro que mudaram minha vida. Os professores que me ajudaram a ser uma cantora melhor, uma profissional com uma expressão corporal mais bonita - uma pessoa artisticamente mais sensível.
O dia do professor já passou tem tempo, a greve já acabou, mas a vontade de falar sobre as coisas que vivi ao lado dos meus mestres continou. Acho o professorado a profissão mais linda de todas, e por isso sinto que preciso fazer uma homenagem (mesmo que simples, através de algumas palavras e lembranças) a estas pessoas que se dedicam a ensinar, a trocar. Doação constante, algo que não tem preço!
Laura Lagub, minha primeira professora e minha preparadora vocal na gravação do meu CD, focou certo dia no autoconhecimento: "Quem é você? O que você quer passar? Que tipo de pessoa é você? Quantos lados você tem para mostrar?" Peguntas difíceis - ainda as estou respondendo. Foi muito importante enfrentá-las e iniciar o questionamento.
Bethi Albano, minha segunda professora de canto, me disse que tudo era uma questão de "horas de voo". Praticar, tentar encontrar uma sonoridade específica, só com bastante tempo de dedicação. Sem ansiedade, mas com persistência. Conhecendo os próprios limites, mas nunca me desmerecendo. Graças a ela conheci a yoga do som; graças a ela aprendi um aquecimento vocal onde minha voz fica "macia" antes de cantar, graças a ela me permiti pensar mais em musicalidade como energia.
Charles Kahn, professor de música da Martins Pena, foi bem prático. Na primeira vez que o vi na vida, no teste para entrar para a escola, me disse, enquanto eu cantava: "Abra os olhos!". E depois, quando eu já era sua aluna, perguntou por que diabos eu movimentava somente a cabeça quando cantava, e não o corpo todo. Continuo cantando de olhos fechados em vários momentos, mas bem menos... Charles me chamou a atenção para esta minha bengala (tentiva de não encarar a realidade!).
Lula, também da Martins Pena, disse o óbvio - o pulo do gato é treinar em casa. Estudar somente em aula é impedir o crescimento. Quem treina (seja o método do Passo, seja o violão) em casa chega com um aproveitamento bem maior do que foi ensinado e diz não ao autoboicote. Verdade verdadeira, fessor. 
Hermes Frederico, querido professor de voz também da Martins Pena nos fez refletir: queremos mesmo atuar, queremos mesmo fazer arte? Ou queremos estudar para sempre, sem colocar em prática aquilo que nos foi ensinado? Queremos apenas falar sobre arte? Por quê? Qual é o nosso medo? Eu, tão certa de que queria estudar para sempre, fiquei sem resposta - e fiquei digerindo aquilo por um bom tempo... Até entender minha insegurança (quiçá preguiça). Obrigada por nos provocar e nos obrigar a enfrentarmos nossos medos, professor (agradeço em nome da turma, que ficou, sem exceções, sem saber o que dizer).
Já citei em um post, há algumas semanas, a querida Gláucia Henriques - que disse que eu não deveria cantar como se fizesse um esforço. Deveria ser algo bonito de se ver e, principalmente, agradável para mim. Cantar não é sacrifício, oras.
Wagner Pinheiro, meu professor de interpretação preferido da MP, nos levava à exaustão no início das aulas para que fizéssemos teatro sem vaidades, completamente entregues, sem nojos, sem resistências. Respiração de fogo para desintoxicar. Grandes, incríveis aulas. Nunca esquecerei.
Nestes últimos dias não tenho conseguido esquecer algo que a professora Vera (expressão corporal,  Martins Pena), disse: "Quando você compara, você para: imobiliza. Comparar: parar. Quando você confia, você se fia: segue adiante". Obrigada! Esta observação tem sido meu alicerce. Desanimei? Lembro de confiar, sigo adiante. Uma simples frase - ela nem sabe - tem me ajudado tanto.
Acho que às vezes isso acontece com os professores. Eles por vezes dizem coisas que mudam nossas vidas, e nem desconfiam disso. Nem sabem, mas uma simples frase fica nos guiando por muito tempo, quem sabe para sempre. Suas imagens permanecem conosco, servindo de exemplo, nos dando força e estímulo.
Fica aqui minha homenagem a vocês, meus mestres. Agradeço por tudo!  

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Música, propriedade de todos

Música é algo incrível. Todos têm (eu diria) um carinho especial por esta forma de arte. Todos gostam de cantar, mesmo que seja só quando estão muito felizes ou bêbados. Todos querem fazer parte disso. E, mesmo que alguém não goste de cantar, muito provavelmente gosta de ouvir música.
Também é comum chorar ouvindo uma música. Ficar triste, com saudade; ou alegre, lembrar de uma situação feliz. Talvez a música seja muito especial exatamente por isso; porque todos estão ligados a ela. Ninguém vive sem a presença desta, praticamente todos os dias. No rádio, no canto do vizinho, no som daquela festa ao lado de sua casa exatamente quando você tenta dormir (a música a qual somos expostos nem sempre é aquela que queremos ouvir). Mas é importante para todos, sem dúvidas (mesmo que se negue isso).
Para quem trabalha com música então, esta importância consegue ser maior; pode ser multiplicada por 1.000. Há uma relação mais íntima ainda, pois a música é o sustento e a realização, além da (espera-se) diversão. Não há dúvidas de que aqueles que estão no meio da música, trabalhando com isso, envolvidíssimos, têm um grande mérito e, a princípio, entendem mais do assunto do que qualquer um dos que apenas curtem ouvir um som. E é claro que, a princípio, entendem mais do assunto do que aqueles que tocam apenas amadoristicamente. De forma geral, podem ter orgulho de discorrer sobre o tema que é assunto/pensamento/foco/prioridade em suas vidas 24 horas por dia. Mas quando esta grande intimidade, este grande mérito, se torna um sentimento de posse, a certeza de um domínio exclusivo, me sinto na obrigação de falar algo: a música é propriedade de todos.
Infelizmente (?), a música é algo com o qual TODOS NÓS temos uma relação. Uma bela memória afetiva. Todos nós fomos a muitos shows, todos nós já ouvimos zilhões de canções na vida. Todos nós a entendemos – cada um à sua maneira. Mas é preciso engolir este fato: música é para todos. Não há excluídos, pois o mundo inteiro sabe o que é isso, música. Todos estão dentro deste lance. A música é das igrejas. Dos centros de umbanda. Dos contadores de história. Das pessoas que cantam com a letra errada. Dos pacientes da musicoterapia. Dos bebês dormindo ao som das cantigas. Daqueles que mal sabem escrever, mas cantam muito bem. Das donas de casa inventando músicas para se distrair. A realidade dura para os autodenominados proprietários da música é essa: todos nós somos “da música”. Xi! Ferrou! Agora ninguém é mais tão especial assim. Muitas pessoas sabem compor. As crianças, então, mais ainda. Todos nós vamos ao videokê e nos sentimos no direito de cantar. (Aliás, ir no videokê e cantar direito é quase que errado. Não pode. Tem que cantar tranquilo, errando quase todas as notas, de preferência.) “Adoro cantar”, “Quero ser cantora”, “Quase fui cantor, sabia?”, “Todos dizem que tenho a voz boa”, “Todos ficaram impressionados quando cantei naquele teste”. Tudo verdade. Mesmo que só na imaginação; não importa. As pessoas só dizem este tipo de coisa porque a música permite, é aberta a isso. Todos se sentem parte da música, e com razão.
Este sentimento é incrível e não deve ser ridicularizado. Claro que eu mesma nunca (mais) vou deixar que alguém que nem conheço invada o palco de algum show meu para cantar qualquer coisa, só porque ficou com vontade. Vai ter de segurar a vontade, e principalmente lembrar que respeito é para ser usado. Mas o fato de vários bêbados já terem tentado cantar na marra em algum show meu, ou o fato de várias pessoas sem noção terem tirado algum instrumento (geralmente de percussão) para acompanhar as músicas que eu cantava, estragando a canção do início ao fim, só reforça esta verdade dura de engolir: a música é propriedade de todos.  
Mesmo que eu ache estranho aquela pessoa criticar um dos maiores acordeonistas do mundo sem nem ao menos conseguir explicar o que está criticando, devo admitir que ele está falando sobre algo que sente (afinal, música se ouve e sente, certo?). Mesmo que aquela diretora de teatro não saiba nem perceber a própria desafinação, quando ela diz “meu ouvido não me engana” certamente não está falando isso por ser louca, e sim porque o ouvido dela não a engana, mesmo. Ela só não consegue ser afinada, mas talvez de fato tenha um bom ouvido. Mesmo quando aquela dona de boteco diz “de música eu entendo”, é interessante considerar a possibilidade daquilo ser verdade. Apenas não canta, não toca, oras; mas ouve, e muito. E, aliás, tem muito bom gosto.
Acredito que a arrogância, essa coisa lamentável que nos impede de crescer, de ouvir, de trocar, de aprender com o outro, faz com que nós, que trabalhamos com músicas, não atinemos para o fato de que vivemos disso (ou complementamos nossa renda com isso) graças à existência de todas estas pessoas que fazem parte da música como ouvintes e apreciadores.
Sabem por que escrevi este texto? É claro que me inspirei nos já citados autodenominados proprietários da música. Mas, antes de qualquer coisa, já me peguei vez ou outra censurando mentalmente alguém que não era do meio musical e dizia saber muito sobre o assunto. Detectada minha arrogância, comecei a matutar e cheguei à conclusão de que precisava escrever sobre isso para me entender melhor e exorcizar qualquer resquício de “propriedade” sobre a música que existisse dentro de mim. Além de não querer me transformar em um dos pseudoproprietários que tanto critico (e que tanto vejo por aí, afastando de si pessoas legais, afastando convívios riquíssimos com pessoas de outras culturas / outros pensamentos), não quero perder o olhar do outro, principalmente se este outro for “leigo”. A opinião do leigo pode ser por vezes risível, mas pode ser também valiosa. O olhar do outro é o “olhar privilegiado”, disse o Julio Adrião. Não quero perder a oportunidade de saber algo sobre mim que só o outro enxerga. Se ele disser algo absurdo / irritante, discordo numa boa. 
Este texto não é um manifesto contra o estudo da música. Pelo contrário. Quando estudei música me senti muito mais segura; tive muito mais ferramentas para estudar melodias, cantar em coro, ler partituras. Só ganhei. Jamais seria contra isso. Mas acho que esse é mais um dos paradoxos da vida: quanto mais se sabe, mais se tem a certeza de que nada se sabe; mais se tem a noção da imensidão das coisas e da quantidade de coisas para aprendermos. Nunca teremos conhecimento sobre um milésimo do que existe. Quanto mais se sabe, mais se tem a certeza de que esta busca pelo saber é constante. E esta consciência nos aproxima dos outros, nos torna mais humildes e mais dispostos a aprender. 


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Frescura

Quando comecei a cantar em um grupo vocal, em 2006, surgiu para mim uma questão que até então nunca havia passado por minha cabeça: a saúde vocal. No Dá no Coro (onde fiquei até 2008) conheci Gláucia Henriques, incrível preparadora vocal que me ajudou muito e a todos os cantores daquele grupo. Passamos a conhecer mais nossas próprias vozes. Foi ótimo, e muitos de seus comentários ficaram marcados na memória ("usar o leão que temos em nossos diafragmas!"). Além da presença da Gláucia – sendo bem honesta –, havia o simples fato de aquecermos nossas vozes antes de todos os ensaios (ou quase todos). Isso já era uma grande coisa, uma grande novidade para mim. Em minha banda de rock nunca havia feito isso. Nunca havia pensado em me cuidar deste jeito. Minha voz vivia rouca. Um amigo meu da faculdade sempre dizia, ao me ver de manhã, em dias pós-show: “E essa voz de travesti, hein?”. Eu achava engraçado, mas me preocupava, pois era uma constante: show = voz grave / rouca no dia seguinte.
A partir daí, as coisas foram mudando neste aspecto. Comecei a fazer sessões de fonoaudiologia. Comecei a achar importante cuidar do meu instrumento. Óbvio, não? Pois é, fiquei feliz em descobrir o óbvio. Tive aulas de canto com duas professoras (Laura Lagub e Bethi Albano), cada uma focando em um aspecto, cada uma com uma abordagem, e ambas me fazendo crescer muito como intérprete. Me tornei bastante cuidadosa com minha voz. Comecei a usá-la de forma diferente. Não deixo de dar minhas gargalhadas, é verdade, mas não irrito minhas cordas vocais ao fazê-lo. Falo mais baixo. Tenho cuidado quando falo ao telefone (tendemos a querer “compensar” a falta de gestos usando mais força na voz, me ensinou Bethi), e milhares de detalhezinhos. Nunca mais fiquei rouca por mau uso da voz (ultimamente por duas vezes fiquei rouca por gritar com assaltantes – coisas do meu Rio de Janeiro –, mas por estar forçando a voz durante o show, nunca mais).
Antes de começar a me cuidar tinha muito preconceito com aulas de canto. Pensava que necessariamente adquiriria alguns vícios. Mal sabia eu que um bom professor iria, ao contrário, apontar meus vícios e me ensinar a viver sem eles. Antes achava bacana quando me diziam que tal cantora famosíssima não aquecia a voz, só mandava ver numa bala Hall’s preta antes do show e tudo certo. Já não acho mais bacana. Respeito quem faz isso, mas não funciono assim. Soube entender o que era melhor para mim. Amadureci e fiquei mais humilde para aprender, para me doar, para investir meu tempo em melhorias. Cresci. Percebi que preciso da técnica. Hoje em dia adoro ter aulas, apesar de infelizmente não poder tê-las ininterruptamente (voz é manutenção! Gosto de pensar em aulas de canto como algo que não tem conclusão. A pesquisa é para sempre). 
O título deste post é uma forma de chamar a atenção para este tipo de pensamento (que eu tinha e muitas pessoas ainda têm). Não é besteira se cuidar, jamais. E não é frescura aquecer a voz antes do show. Fico com vergonha, sim, de fazer aqueles vocalizes doidos na frente de qualquer pessoa, mas fazer o quê? Não é maluquice, embora pareça. Lembro que há alguns anos fui a um show de uma grande cantora na Fundição Progresso e ela, apesar de incrível, infelizmente mostrou uma voz bastante prejudicada pelo mau uso. Nas notas graves, sua voz sempre falhava. Não quero que isso aconteça comigo, e quero garantir a longevidade de minha voz. Quero me cuidar muito, e sempre. Se isso é ser vista como diva, fresca ou exagerada, paciência.
Digo isso porque ao me tornar mais cautelosa percebi que várias de minhas medidas pareciam ridículas aos olhos de outras pessoas. Algumas diziam: “Aposto que a Elis nunca fez nada disso. Duvido.” Bom, a fama dela era de ser o João Gilberto de saias, de tão perfeccionista. Isso me faz crer que ela devia ser cuidadosa com as cordas vocais, também. Mas, se não era, não é por isso que vou seguir o exemplo. Não sou a Elis, e isso é óbvio. Ela era incrível com o método dela, com as manias dela, fazendo as coisas da forma dela, com os cuidados dela (ou com nenhum cuidado – duvido muito!). Não importa. Pois agora posso dizer que me conheço. Sei que preciso ser cuidadosa. Sei que preciso economizar a voz em vários momentos. Sei que preciso evitar locais muito barulhentos, e, quando for inevitável, falar bem pouquinho. Meu corpo funciona assim. Minha máquina pede isso. Não posso dar mole com ar-condicionado, de jeito nenhum. Sempre me ferro. Nem ventilador a noite toda. Não dá certo, já sei disso. Preciso usar cachecol em dias frios. Preciso dormir bem, pois isso deixa a voz novinha em folha. Nada disso é frescura. É fato. E só eu sei o que preciso e o que não posso fazer. Óbvio, de novo.
Na realidade notei que em vários momentos quando se fala em tratar da saúde, de forma geral (bem-estar, qualidade de vida, alimentação saudável), parece que há um tabu aí, em alguns círculos – e certamente o dos músicos é um deles. Yoga, vegetarianismo, meditação, vida abstêmia, tudo isso às vezes é visto como “caretice”, ou motivo de riso. Deve ser culpa da tradição boêmia que vem com a música popular brasileira. Conheço cantores e instrumentistas atletas, extremamente saudáveis, cicloativistas etc. Mas há uma quantidade muito maior de pessoas que não são assim, e infelizmente acham que o estilo de vida delas é o “certo” (caso não achassem, não ririam dos colegas). Não entendo o porquê deste tabu. Por que os hábitos saudáveis de uns incomodariam outros? 
                  Bom, cada um na sua. De preferência, todos se respeitando, sem achincalhamentos recíprocos. Sonhar não custa nada.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Covers

Desde 2008 canto covers. Aliás, este termo, cover, não é muito comum no meio dos barzinhos, no meio da galera que toca MPB na noite. É mais utilizado no meio do rock (“banda cover de Black Sabbath”). Mas é isso o que faço desde 2008: canto covers. Canto músicas que todos conhecem – em barzinhos, casas de show, praças, eventos fechados.
Gostei muito de ser intérprete de canções famosas, pois nunca havia feito isso como cantora solo. Tinha uma banda de canções autorais, antes. Então foi algo bem diferente para mim. Achei delicioso cantar canções de Tom e Vinícius, Toquinho, Caetano, Erasmo Carlos... Em minha banda poucas vezes cantei músicas conhecidas (lembro de “Mulheres de Atenas”, do Chico, e de “Eu”, do Frank Jorge. Ah, e “O reggae”, da Legião Urbana, em um show em homenagem à banda).
Mas, como já mencionei aqui neste blog, no finalzinho de 2011 comecei a querer de verdade gravar um CD, exatamente para poder cantar músicas inéditas, de compositores novos. Sempre considerei ter bom gosto para o meu repertório. Pensei que seria ótimo escolher 10 canções de colegas meus (tenho amigos talentosíssimos - orgulho total!). Aí aconteceu uma coisa: comecei a ter mais vontade de cantar estas inéditas do que os covers. Apesar de ser algo ligeiramente mais difícil de realizar – a receptividade para canções inéditas costuma ser fria em um show, e, além disso, é preciso ensaiar para executar canções inéditas; não basta dar o tom para os instrumentistas, como se faz comumente no caso de covers, pois nenhum deles conhece aquela canção –, vi que meu objetivo realmente não podia ser outro. Mostrar músicas inéditas para o público. Me sentia (e sinto) muito mais realizada.   
Fechei o repertório do meu CD e, é claro, comecei a querer inseri-lo nos shows que fazia. E sentia certa frustração caso não conseguisse ensaiar com a banda, o que impossibilitava a apresentação destas inéditas. Ou caso sentisse que o público de um local não estava aberto a novidades (sabe quando você sente aquele clima "Coisinha do pai" no ar? Então...). Mas ao mesmo tempo entendia que, realmente, enquanto eu cantasse em bares e locais onde o público está acostumado a ouvir canções famosas, seria mais difícil colocar esta minha vontade em prática (mas não deixava de ficar um pouco frustrada). Certa vez, no Mike's Haus Imbiss, em Santa Teresa, anunciei que ia cantar uma canção inédita, e então uma moça disse: "Mas a música é boa?". Chato, mas compreensível. É o medo de ouvir algo ruim. Querendo poupar os ouvidos, as pessoas acabam agindo assim, tendo essa resistência ao novo. 
(A canção em questão, aliás, era "Samba do pé", uma das que mais amo cantar. Curiosamente, certa vez, na praça São Salvador, esta foi a música mais aplaudida do show todo - fato percebido por todos da banda e pelo produtor. Música boa às vezes também pode ter este poder de conquistar à primeira audição.) 
Estou escrevendo este texto porque dia 9 de novembro, sábado próximo, farei um show no Fixos Fluxos, na Lapa. Serão 2 sets de 45 minutos, com apenas 4 canções do CD - as outras serão covers. Noel Rosa, Monsueto, Gilberto Gil, Pepeu Gomes, Chico Buarque, entre outros. Ensaiamos na terça-feira o show, foi lindo. Mas a ideia é que esta seja a última vez que faço um show neste molde: 2 sets, Lapa, noite, basicamente covers. Estou considerando esta uma despedida deste tipo de apresentação, que já fiz tantas vezes. Foram 2 anos quase ininterruptos em um mesmo bar nos arcos da Lapa (show fixo, uma vez por semana), entremeados por outros shows, em outros lugares (Semente, praça Paris e praça São Salvador, Mike's Haus Imbiss), sempre no mesmo molde. Também já escrevi aqui que aprendi muito com estes shows. Mas uma das coisas que aprendi é que, de fato, sinto mais prazer cantando músicas inéditas, de um repertório que eu montei, escolhi a dedo, para descrever aquilo que amo, que sou. Meu repertório, acredito, me traduz. Fala muito sobre quem sou. O repertório de covers também diz muito sobre mim, é verdade (afinal, só escolho músicas que gosto), mas de uma forma diferente, se adaptando também à vontade do público. Não posso cantar "Manera, fru fru, manera" em um show em barzinho, por exemplo. Vão achar que pirei. 
Amo cantar músicas consagradas. E tenho muita vontade de fazer shows / CDs / projetos temáticos. Um show em homenagem ao forró, com direito a Dominguinhos, Gonzagão, Nando Cordel e outros. Um CD só com rocks brasileiros, conhecidíssimos. Um show em homenagem ao Itamar Assumpção. Muita vontade de fazer este tipo de coisa, pois esta ideia me diverte muito. Imagina? Um projeto só de canções do Belchior. Seria lindo. Mas esta ideia é bem diferente de um show de covers. Arranjos diferentes, todas as canções de um mesmo compositor. Podendo ousar livremente.
Faço vez ou outra shows fechados (em residências, festas de empresas), e posso afirmar que gosto muito de fazer isso. O ambiente é muito tranquilo e o pagamento é justo. Nestes casos, é incrível: canto todas as canções "manjadas" com prazer. Acho que isso acontece porque, neste caso, parece fazer sentido. Tudo muda de figura. Estão me pagando bem para cantar sucessos da MPB. Às vezes até pedem músicas antecipadamente. Estudo as canções, ensaio e vou. Tudo certo. Tudo perfeito. Adoro trabalhar assim. E estou sempre torcendo para que eventos deste tipo aconteçam. Me sinto valorizada e feliz.
Também adoro cantar em festas juninas. Só forró (um dos meus estilos preferidos)! É a mesma coisa: recebo um pagamento justo para cantar músicas que amo. Me divirto, vou a várias festas para divulgar a cultura do Nordeste. Para mim, faz todo o sentido também. Always a pleasure. Vou sorrindo.
Como disse, o ensaio para este show foi ótimo, e o show não será diferente. Estou muito bem acompanhada ao lado de Caio Márcio, Josias Pedrosa e Renato Endrigo, cheios de bossa e dinâmica. Além disso, vou aproveitar a ocasião para confraternizar, rever amigos que me cobram um show há tempos. Quero fechar com chave de ouro esta minha fase - e poder iniciar outra. Bem mais difícil, mas certamente incrível.