Lembro que quando era pré-adolescente (já fanática por música)
estranhava quando alguém dizia que gostava de alguma banda por causa das
letras. Se algum amigo falasse que amava Legião Urbana e só mencionasse as
letras do Renato Russo, sem comentar sobre a parte musical, eu achava (e
verbalizava) o seguinte: “Ué, mas não é música? Texto é coisa para livro. Música
é som, pô!”. Chegava a ficar ligeiramente indignada – garota enxaqueca! –, afinal
o que me importava não era nada disso, eu só queria saber do som. Ficava muito
impressionada quando um amigo, fã do Bad Religion, dizia “ah, nem gosto tanto
assim do som, mas as letras são tão boas, políticas”. Eu achava que “certo” era
pensar como eu, que me interessava pela melodia, antes de qualquer coisa. Letra
era consequência. E por eu ter esta relação com a música, acreditava ser um
pouco equivocada a preferência pela letra, ou a hipervalorização desta. Uma
visão de música bastante radical, especialmente para quem nem mesmo ouvia
música instrumental e amava música pop. E mais radical ainda para quem já havia
escrito muitas poesias e havia desejado ser escritora quando crescesse.
Mantive este pensamento durante alguns anos, e foi engraçado me
recordar desta antiga filosofia e constatar que, hoje, discordo bastante dela.
Continuo me deixando cativar mais pela melodia em uma música
(não me incomoda se o arranjo for simples, por exemplo, nem se os músicos não forem
virtuoses, ou se a técnica vocal não for muito boa). Mas, mesmo continuando a
valorizar a melodia antes de qualquer coisa, penso no quanto digo que amo essa
ou tal música pela letra, ou no quanto sempre, sem exceções, fico emocionada
ouvindo aquela música do Milton – muito por culpa da belíssima letra. Sei que
gosto muito, muito mesmo de Caetano e de Gil pela maestria com que unem letra e
música. Sei que o que me encanta em “Carinhoso” não é só o que Pixinguinha fez,
mas o que João de Barro escreveu também. Fico
deliciada ao ver o quanto escrita e música podem se unir em um casamento
perfeito.
Há poucos dias tive o prazer de conhecer uma das casas onde
morou Fernando Pessoa, e a visita mexeu bastante comigo. Vi seu quarto, sua
estante, sua escrivaninha. Vi os desenhos de Aldous Eveleigh, ali expostos, todos
eles retratando Pessoa. Mas, principalmente, li suas poesias, escritas nas
paredes do centro cultural. E ouvi algumas delas pela boca de atores, músicos e
escritores, declamando em vídeo as belíssimas poesias deste cara incrível (um
projeto muito bacana, aliás). Saí da Casa Fernando Pessoa com uma constatação
pessoal, uma certeza: não há nada mais belo que a poesia – e isso está sendo
escrito e pensado por alguém que, depois de não querer mais escrever poesia,
começou a ficar com “birra” de poetas. Mas na casa onde morou Pessoa entendi
(quase) tudo. Percebi que quando estou lendo um livro e algo de repente me
emociona, é porque naquele trecho o escritor fez poesia. E percebi que,
realmente, a escrita não tem um papel pequeno em minha vida. Posso ter fugido
um pouco do assunto, mas o que quero dizer é que a letra de uma música, para a
pessoa que sou hoje, é muito mais do que uma forma de cantar a melodia sem ser
por solfejo.
SAlve o (a) intéprete! Bjs, Guidi.
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