terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Lírica

Lembro que quando era pré-adolescente (já fanática por música) estranhava quando alguém dizia que gostava de alguma banda por causa das letras. Se algum amigo falasse que amava Legião Urbana e só mencionasse as letras do Renato Russo, sem comentar sobre a parte musical, eu achava (e verbalizava) o seguinte: “Ué, mas não é música? Texto é coisa para livro. Música é som, pô!”. Chegava a ficar ligeiramente indignada – garota enxaqueca! –, afinal o que me importava não era nada disso, eu só queria saber do som. Ficava muito impressionada quando um amigo, fã do Bad Religion, dizia “ah, nem gosto tanto assim do som, mas as letras são tão boas, políticas”. Eu achava que “certo” era pensar como eu, que me interessava pela melodia, antes de qualquer coisa. Letra era consequência. E por eu ter esta relação com a música, acreditava ser um pouco equivocada a preferência pela letra, ou a hipervalorização desta. Uma visão de música bastante radical, especialmente para quem nem mesmo ouvia música instrumental e amava música pop. E mais radical ainda para quem já havia escrito muitas poesias e havia desejado ser escritora quando crescesse.
Mantive este pensamento durante alguns anos, e foi engraçado me recordar desta antiga filosofia e constatar que, hoje, discordo bastante dela.
Continuo me deixando cativar mais pela melodia em uma música (não me incomoda se o arranjo for simples, por exemplo, nem se os músicos não forem virtuoses, ou se a técnica vocal não for muito boa). Mas, mesmo continuando a valorizar a melodia antes de qualquer coisa, penso no quanto digo que amo essa ou tal música pela letra, ou no quanto sempre, sem exceções, fico emocionada ouvindo aquela música do Milton – muito por culpa da belíssima letra. Sei que gosto muito, muito mesmo de Caetano e de Gil pela maestria com que unem letra e música. Sei que o que me encanta em “Carinhoso” não é só o que Pixinguinha fez, mas o que João de Barro escreveu também. Fico deliciada ao ver o quanto escrita e música podem se unir em um casamento perfeito.
Há poucos dias tive o prazer de conhecer uma das casas onde morou Fernando Pessoa, e a visita mexeu bastante comigo. Vi seu quarto, sua estante, sua escrivaninha. Vi os desenhos de Aldous Eveleigh, ali expostos, todos eles retratando Pessoa. Mas, principalmente, li suas poesias, escritas nas paredes do centro cultural. E ouvi algumas delas pela boca de atores, músicos e escritores, declamando em vídeo as belíssimas poesias deste cara incrível (um projeto muito bacana, aliás). Saí da Casa Fernando Pessoa com uma constatação pessoal, uma certeza: não há nada mais belo que a poesia – e isso está sendo escrito e pensado por alguém que, depois de não querer mais escrever poesia, começou a ficar com “birra” de poetas. Mas na casa onde morou Pessoa entendi (quase) tudo. Percebi que quando estou lendo um livro e algo de repente me emociona, é porque naquele trecho o escritor fez poesia. E percebi que, realmente, a escrita não tem um papel pequeno em minha vida. Posso ter fugido um pouco do assunto, mas o que quero dizer é que a letra de uma música, para a pessoa que sou hoje, é muito mais do que uma forma de cantar a melodia sem ser por solfejo. 

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