quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Sobre a colaboração espontânea


Outro dia fui fazer uma participação no show do Forró de Rabeca, lá na rua do Ouvidor, e algo interessante aconteceu. Antes do show começar, fiquei bastante tempo conversando com a Ciça, que faz o trabalho essencial de passar o chapéu pelo público – o show é aberto, então a grana do público tem que ser arrecadada assim – e ela me explicou que, com toda a paciência, tinha que ficar explicando vez ou outra para os frequentadores: “pessoal, é melhor colaborar com R$ 3,00 do que ter que ir para um espaço fechado e ter que pagar R$ 10,00 ou 15,00 para entrar, vamos colaborar para que o show possa continuar acontecendo na rua?” A coisa tinha que ser quase que didática para que funcionasse minimamente bem.
Pouco antes de eu entrar no palco Ciça já estava na função, e eu quis colaborar humildemente. Só tinha uma nota de R$ 10,00 e voltaria de ônibus, então queria doar R$ 6,00 e pegar R$ 4,00 do chapéu, de troco. Alcancei Ciça, que neste momento tentava convencer um rapaz com uma lata de cerveja na mão a colaborar com o forró. Vi rapidamente que o guri risonho se esquivava, fazendo gracejos, e quando expliquei a ela (e não a ele) que eu pegaria o troco - Ciça até disse, gentilmente: “não precisa, você vai cantar!” –, o mesmo rapaz que não estava colaborando ocupou-se rapidamente de mim e disse: “Olha, hein, Deus está vendo! Pegando o troco...”. Apertei uma de suas mãos e, olhando em seus olhos, perguntei: “Você já colaborou?” A resposta: “Se eu colaborei? Não...”
Descrevo este acontecido porque me chamou muito a atenção o fato do rapaz achar ser um tabu o ato de colaborar pegando o troco. Acho que talvez para ele, na verdade, colaborar espontaneamente, em si, já seja algo bem novo e estranho.
Isso me fez pensar muito. Talvez estejamos lidando com a colaboração espontânea de uma forma ainda um pouco envergonhada-desengonçada. A amiga Maga Schüle já havia comentado isso comigo. Perguntei a ela certa vez sobre alguns aspectos de se trabalhar nos metrôs cariocas: qual era o valor mais doado, que tipo de coisas bonitas/grosserias ela e seu parceiro já tinham ouvido, e se os doadores tinham o hábito de colaborar pegando troco. Maga respondeu a esta última dizendo que apenas uma vez isso havia acontecido por aqui. Com esta informação ficou mais uma vez confirmada, para mim, a timidez/falta de hábito/falta de jeito do brasileiro ao colaborar com a arte que se faz na rua/no metrô; a falta de jeito com a colaboração espontânea.
Fiz uma campanha de crowdfunding em 2012 e foi muito bacana. Ainda não havia tantas pessoas se utilizando desta ferramenta quanto hoje, mas consegui arrecadar o valor que havia estipulado. E neste processo notei que vários amigos souberam, deram a maior força, compartilharam, mas, por ainda não entenderem muito bem aquela filosofia, aquela ideia de colaborar com o valor que pudessem, acabaram não colaborando.
Para muitas pessoas, ainda hoje, em 2015, a ideia do financiamento coletivo ainda é um pouco estranha. Colocar R$ 2,00 no chapéu ainda incomoda. A ideia de colaborar na Vakinha ainda não desce muito bem.
É doido, mas parece que preferimos um preço institucionalizado. Preferimos o preço protocolar, preferimos a obrigatoriedade. Por quê? É muito mais interessante, para mim, poder escolher um preço que caiba no meu orçamento e na minha realidade. Gosto muito de colaborar com projetos que ainda vão acontecer; gosto muito de poder ajudar para que um show que acontece em um espaço aberto continue acontecendo.
Seria interessante considerarmos o fato de que é muito mais jogo nos ajudarmos, colaborarmos, do que ficarmos todos insatisfeitos com as poucas opções, ou com as opções caras. Estamos em uma época de grande efervescência cultural, e talvez isso se deva a esta atitude de “colocar o bloco na rua”, em vários sentidos, seja na praça, seja colocando um projeto na roda; e talvez a culpa disso seja essa busca pela ajuda dos amigos e admiradores. Se já está dando certo, mesmo que ainda com bem menos adesão do que poderia ter, imagine o que acontecerá quando a colaboração espontânea se tornar ainda mais... espontânea? 

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