Uma
das coisas que mais gostei de fazer desde que comecei a cantar solo foi me
apresentar na praça São Salvador. Sem exageros. Adorava cantar no coreto, que
desde 2008 eu paquerava, de longe (eu não entendia porque aquele espaço não era
tão usado quanto poderia ser). Daí, desde que comecei a cantar por ali, em junho de 2011, às sextas, me senti muito satisfeita – foi um pequeno sonho realizado,
afinal.
Fico
lembrando de tudo o que a praça me proporcionou: outros trabalhos – incluindo
uma viagem para o Nordeste! –, muitos contatos com grandes músicos, causos,
diversão e formação de público (sem dúvidas foi minha maior vitrine). Quando
ando pelo Flamengo e por Laranjeiras não é incomum ser abordada na rua por
pessoas que já me viram cantando no coreto e querem saber quando voltarei. Fico
bem feliz em colher estes frutos.
Infelizmente
o Choque de Ordem começou a frequentar a praça todas as sextas (não sei se em outros dias da semana também) e finalmente, depois de algumas situações chatas
– voltar para casa sem tocar etc. –, em maio de 2013 desisti de vez de cantar ali.
Mas sem traumas, foi incrível enquanto durou! E (vontade de ser otimista?), acho que talvez
estivesse mesmo na hora de parar.
Fiz
esta introdução porque ando pensando muito sobre a questão do artista nos
espaços públicos. Tenho me empolgado bastante pensando em possibilidades de
levar meu canto para a rua – e isso pode acontecer de várias formas, em diversos
formatos –, e de levar também outros tipos de expressão artística. Daí juntei
as pecinhas e entendi: era por isso
que eu gostava tanto de cantar na praça São Salvador. Porque era gratuito, porque
o público era espontâneo. Porque não havia exclusão, porque todos que quisessem
podiam estar ali. Porque aquele espaço não era de ninguém: era de todos.
Penso
que esta minha visão sobre a rua começou a se formar quando, em agosto do ano
passado, conheci o pessoal do Ocupa Lapa. A partir daí, e principalmente depois
que estive presente neste ato político-cultural, sob um sol inclemente do dia 8
de setembro (um dia perfeito!), vendo meu namorado expondo seus desenhos em
plena praça dos Arcos, vendo performances acontecendo e bandas tocando desde a
tardinha até a noite, uma semente foi plantada em minha mente.
De
lá para cá, todos os dias vejo ou sei de mais alguma coisa (intervenções
urbanas, Beach Combers no largo do Machado, Tropa do Afeto) que ratifica meu
pensamento de que isso, sim, é muito adequado: precisamos usar a rua, ela é
nossa galeria, nosso palco. E os transeuntes, diria que precisam também. Arte
no dia a dia. Arte como algo usual, não um luxo, pertencente apenas aos espaços
fechados, pagos, às vezes tão frios, apesar de maravilhosos e necessários. Mas
ocupar a rua com arte também é necessário, e urgente. Pois é vital transformar
nossa cidade, nosso mundo, e não apenas viver nele como se não tivéssemos esta
capacidade, nem este direito.
Hoje
mesmo (filosofias da hora do lanche), conversando com Alex sobre minha
resistência em ser romântica em relação à arte, confessei que, de fato,
percebia o quanto a arte fazia com que nós nos tornássemos mais sensíveis e
humanos, mais unidos, com menos medo de sermos piegas. Podemos chorar, rir, e isso
irá nos libertar. E não há dúvidas de que o mundo precisa de mais
sensibilidade. Precisamos nos aproximar, precisamos nos entender melhor, e
agora vejo que a arte pode nos ajudar muito.
Há
anos vi um vídeo do Badly Drawn Boy tocando na rua, em frente à estação de trem
Waterloo. Fui catar o vídeo na internet há uns dois meses, já pensando bastante
nestas questões do artista na rua e, ao rever, concluí: “Vou imitar esta ideia
assim que der.” Cantar em algum canto do RJ e depois fazer um vídeo disso. Mostrar o desprezo, a receptividade, a indiferença, o encanto. O que importa é comunicar, levar para a rua! Ela é nossa, mesmo que, infelizmente,
carreguemos intimamente uma leve impressão de que “não pode”. (Estou lutando contra esta sensação e entendendo aos poucos que "é tudo nosso". E escrever este texto é uma forma de fazer com que isso fiquei ainda mais claro para mim.)
Um último caso, para fechar: pouco
antes do carnaval Alex decidiu fazer o lançamento do livro dele aqui no Rio - já tinha
acontecido um, em Niterói -, escolhendo para isso um local muito bacana: a supracitada praça São
Salvador. Quebrando a cabeça para ver um local que não fosse caro, nem pouco acessível, nem desconfortável, resolveu botar o bloco (ou livro) na rua de uma vez. Decisão acertada! Foi uma noite muito gostosa: no mesmo horário do lançamento estava acontecendo um show do amigo Fabão, que
cantava marchinhas no coreto, e neste mesmo dia Alex expôs seus desenhos nos pilares de madeira do coreto, assim que o show terminou. Ou seja, a praça foi utilizada de todas as
formas possíveis: como museu, como palco, como livraria. Voltamos para casa
felizes, na verdade deslumbrados, percebendo que tudo parecia cada vez mais
fácil, acessível, mais a nosso alcance. Sensação de liberdade e desprendimento, que a rua tão generosamente nos dá.
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