domingo, 27 de abril de 2014

O que aprendi com os portugueses sobre música


Estive em Portugal em janeiro. Me maravilhei com inúmeras coisas e me apaixonei pelo país de forma geral. E uma das coisas que trouxe no coração, é claro, foi o fado.

E outra coisa com a qual me maravilhei foi a forma como vi a música ser respeitada.

Certa noite fui ao Chapitô, um lindíssimo local (restaurante, bar, teatro, sede da cia homônima de teatro etc.) em Lisboa. Assim que eu e Alex chegamos o rapaz da casa nos trouxe o cardápio e explicou: “Aqui funciona assim: os músicos vão tocar três músicas. Então, SILÊNCIO. Haverá um intervalo, pode-se conversar normalmente. Depois, mais três músicas. Outro intervalo, e então mais três músicas. Ok?”. Direto, bem educado. E certíssimo.

Bebemos um licor de café delicioso e assistimos ao fado, interpretado por músicos excelentes. Muito agradável.

Acredito que aquela noite tenha sido mais especial ainda porque pude ver o quanto a apresentação foi respeitada. Estávamos ali para ouvir o fado, não para conversar enquanto a música era tocada (na verdade acho que não faz mesmo muito sentido disputar com o volume dos instrumentos. Não se ouve a música, nem se conversa direito.).

O rapaz que nos atendeu (o tal do “schifaizfavoire”, reza a lenda) foi direto, bem educado e esclarecedor. Não deixou margem para nenhuma dúvida: ali a atração era o FADO. Caso quiséssemos conversar – estávamos no Bartô, um dos muitos espaços do grande Chapitô – poderíamos tranquilamente ir para a área aberta e papear admirando a vista da cidade.

Na verdade, isso não me incomoda muito quando estou no papel da cantora – ou melhor, até hoje não incomodou. Acho que exatamente pelo fato de ter cantado muito em barzinho, fiquei acostumada a isso (mas acho que ficarei bem chateada se alguém ficar falando sem parar em uma apresentação minha em um teatro, por exemplo). Acho relativamente “normal” que em um bar com música ao vivo a música seja música de fundo, muzak, música ambiente. Aqui funciona assim, e não adianta se descabelar, acredito. Mas achei o máximo que lá naquele local específico não houvesse nem comida (só bebidinhas), muito provavelmente para não tirar o foco do que estava acontecendo ali – o show. Qualquer barulhinho pode atrapalhar aquela música acústica. O público precisa colaborar, do contrário o fado fica impraticável. Interessante pensar que a falta de amplificação levou a esta atitude de respeito.

Portugal me impressionou muito, em muitos aspectos, e um deles foi a cultura dos portugueses. Milhares de livrarias pela cidade (tentações!), muitíssimos centros culturais, Fernando Pessoa a cada esquina, e música boa. Fomos depois à Tasca do Chico, onde há o tal do “fado vadio”. Apesar de ser vadio (“amador”), a qualidade era excelente, e o bar inteiro se calava para ouvir as músicas. Só gritava de alegria, ao final. Apesar dos bolinhos de bacalhau frios e do lugar estar sempre abarrotado de gente (culpa exatamente da boa qualidade e tradição como local de fado), a Tasca do Chico provou que realmente os lusitanos levam a música a sério.

Não estou querendo dizer que não exista desrespeito por lá (longe de mim falar uma maluquice dessas) ou que Portugal seja o Paraíso (mas tenho lá minhas desconfianças de que seja...  Maluca, eu?): certamente os músicos de lá têm histórias nada bonitinhas para contar sobre perrengues na noite e situações desconfortáveis. Mas achei bonito ver o quanto a música pode ser tratada como coisa séria, mesmo que em ambientes descontraídos.

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