sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Sensualidade musical

Escrevi há um tempinho um texto sobre a beleza constrangedora, onde discorri sobre um fenômeno doido: a beleza, gigante, pode assustar o autor desta (pintei o caso específico do cantor). Este, por sua vez, boicota aquela beleza, instintivamente, achando que “não pode” – resumo resumidíssimo do texto. Usei a primeira pessoa majoritariamente, é claro, pois me baseei em minha própria experiência. Outras pessoas se identificaram e vieram falar comigo sobre, o que me deixou muito feliz: falar sobre minha própria beleza não foi muito fácil, tanto pela questão de uma aparente prepotência quanto por expor uma grande fragilidade, algo bem íntimo, deste jeito.
Mas a intenção é mesmo esta, aqui neste blog: falar sobre tudo o que ainda não entendo direito (e que ao escrever entendo um pouco melhor), falar sobre o que acredito entender minimamente (e que ao escrever percebo que entendo bem pouco, mesmo), falar sobre aquilo que, a princípio, talvez eu não devesse falar, por evidenciar meus pontos a serem melhorados, pontos que talvez eu devesse esconder, ou abordar apenas quando já fossem coisa do passado, temas resolvidos. Mas o fato é que escrever sempre me deixa muito melhor, e não há vaidade que vá me privar desta sensação.
Quero falar hoje sobre algo muito próximo ao que abordei no texto “A beleza constrangedora”, mas ligeiramente diferente. Quando falei que existem belezas tão gigantescas dentro de nós que chegavam a assustar, não sabia (ou sabia e ainda não havia assumido, talvez) que aquilo era uma questão de entrega. Entregar-se, deixar-se levar. Perder o controle.
Existe um momento muito bonito na música, que é quando a conexão acontece de forma muito forte entre os que estão executando uma música. Posso sentir isso, por exemplo, quando estou com algum/alguma violonista ou pianista, por serem estes os instrumentos que geralmente me acompanham. Em um ensaio, se tudo estiver correndo bem, pode acontecer um momento de forte conexão, um momento onde há um “clique”, algo acontece de especial. A música vem com toda a sua potência, e esta potência é uma espécie de sensualidade. Não tem a ver com algo físico, é algo que está no ar e de repente é fisgado. Tem muito a ver com a beleza que constrange, mas vai um pouco além, pois envolve outra pessoa: esta grande conexão é um encontro que pode ser estranhamente íntimo, e isso pode, mais do que assustar, parecer inadequado.
Em junho fui ensaiar para uma apresentação. Na hora de passar minha música preferida do repertório deste show, eu, ensaiando com o guitarrista que acabara de conhecer (apenas eu e ele, pois precisávamos conferir a tonalidade), senti isso com força: houve naquele momento, no meu deixar-me levar, uma sensualidade forte, uma intimidade e um encontro muito bonitos. Estranhei, me segurei, e sei que deveria seguido com aquela mágica. A canção é linda, a voz estava linda, a guitarra idem. O encontro é isso, é esta beleza constrangedora, só que mais bela ainda, por acontecer em contato com outro.
Fui comentar com minha querida amiga Claudia Holanda sobre isso, dizendo que eu havia notado que havia uma sensualidade no ar e que às vezes descia, que chegava, e que parecia íntima demais para existir entre pessoas que eram apenas amigos, colegas de profissão, ou o que quer que seja. Claudia, após ouvir minhas impressões, confirmou minhas suspeitas: “Ah, é por isso que às vezes tenho a impressão de que você se economiza”. Aos invés de deixar transbordar, seguro minha represa.
Música é sensualidade, e como nunca havia percebido isso? E digo sensualidade no sentido mais amplo de todos: sensibilidade, entrega, espiritualidade, tudo o que nos arrepia a pele. Tudo o que nos faz deixar cair as máscaras, e ao mesmo tempo nos faz usar a melhor máscara, a mais bonita, a mais sincera, a mais nua. Tudo o que nos deixa em contato com o nosso íntimo.

Não tenho, a pretensão, aqui, de criar uma tese sobre algo que nem eu entendo direito, sobre algo que me pegou de surpresa, sobre algo que muito mais sinto do que compreendo. Escrevo sobre porque constatei, percebi: isso acontece. E que lindo isso acontecer.  

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