Este texto é uma ode ao fracasso. E não porque eu o ame, mas
porque o temo. Assim sendo, desejo estabelecer uma relação mais íntima com ele,
uma vez que acredito que somente assim conseguirei ficar tranquila em sua
presença, ou com a possibilidade de seu aparecimento.
Temer o fracasso é um grande empecilho artístico. Vejo que em mim
isso tem graves consequências, pois, se não temo fracassar da mesma forma que
um artista consagrado talvez tema, certamente tenho medo de fracassinhos. E este temor acaba tendo grande
influência sobre o meu trabalho.
Há tempos queria escrever sobre isso, mas foi apenas depois de ler
o “Ensaio sobre o fracasso”, de Fause Haten, que senti ser aquela a gota d’água.
Eu tinha que falar sobre o tema. Diz ele: “Só considerando o fracasso como um
fato é que fico livre como artista para experimentar, correr riscos e seguir
meus instintos”. Com esta frase me senti atingida e, ao mesmo tempo, feliz pela
percepção que me veio.
Quem vive com medo de fracassar, de decepcionar os
outros, de ser uma vergonha para a família, acaba vivendo uma sensação de
fracasso perene. É como se houvesse sempre uma pessoa (você) te falando “não
faça isso, não vai dar certo”, sempre te incentivando a não ousar, a não
arriscar, a permanecer na mesma, ou até mesmo a desistir. Mas que bom é saber
que esta condição não é definitiva, e nem este pensamento. É bom saber que eu
posso, de agora em diante, me levantar e fracassar com propriedade, a propriedade
de quem acredita em si, e, exatamente por isso, talvez nem mesmo veja como
fracasso aquilo que é julgado como tal. E, assim como a atitude derrotista de
nem mesmo tentar para não fracassar não é definitiva, os fracassos também não
são definitivos. Depois deles, o que esperar? Mais fracassos? Pode até ser, mas
a persistência nos ensina que vitórias e derrotas costumam se intercalar. Bem
difícil que seja só fracasso, do início ao fim.
Elizabeth Gilbert, a escritora de Comer, rezar, amar, deu uma ótima palestra (TED Talks) sobre
fracasso, sucesso e devoção à sua paixão, que é escrever. Entre muitas coisas
interessantes, Elizabeth fala sobre o quanto se sentiu preocupada ao escrever o
livro sucessor de Comer, rezar, amar,
sabendo que dificilmente este teria o mesmo sucesso que o anterior. Mas com o
tempo foi entendendo algo muito importante: “Eu amava mais escrever do que
odiava ter fracassos ao escrever, e isso queria dizer que eu amava mais
escrever do que amava meu próprio ego, e isso por sua vez queria dizer que eu
amava mais escrever do que amava a mim mesma.” A escritora, que usa o conceito
de “lar” para definir esta paixão que toda pessoa tem, diz que “seu lar é:
aquela coisa para a qual você dedica suas energias com tanta devoção que os
resultados se tornam indiferentes”. Meu lar é cantar, e os resultados deste
canto, ótimos ou péssimos, nunca me impedirão de continuar cantando. Elizabeth
nunca irá parar de escrever. Nós duas nunca iremos deixar de voltar para nossos
lares.
Vejo que abordo muitos assuntos pouco confortáveis, como idade e
beleza do artista, decepções, críticas maldosas e agora o fracasso, mas isso é
proposital. Quero abordar os assuntos que nós, como profissionais da arte,
tentamos ao máximo evitar. Observo que temos o hábito de colocar nas redes
sociais apenas nossas vitórias, nossos sorrisos, nossos selfies lindos com
pessoas que amamos. Isso é valorizar os bons momentos, e é bacana. Mas o
fracasso também tem grande valor, e não deve ser deixado de lado, ou melhor,
não deve se varrido para debaixo do tapete. Não precisa ser divulgado aos
quatro ventos, mas precisa ser admitido internamente (eu, pessoalmente, me
sinto mais forte ao transformá-lo em texto). Se o fracasso nos leva a tantas
crises interessantes, a tantas descobertas, não é muito saudável fingir que
este nunca o visita. Primeiro que ninguém vai acreditar, e segundo que nem
mesmo você irá se convencer. Por isso, acho importante abordarmos os momentos
difíceis e as questões idem. Acredito que a vida deva ser celebrada com todas
as suas nuances, todas as suas dores e delícias, todas as verdades que, no
fundo, fazem muito mais bem do que imaginamos. Falar sobre fracasso é falar
sobre algo comum a todos.
Recomendo fortemente a leitura do texto de Fause Haten, mencionado
no início desta postagem, para que o mesmo seja desfrutado do início ao fim.
Eu, por tê-lo saboreado com tanto gosto, coloco mais um pouco do mesmo aqui,
para fechar com chave de ouro: “Considerar o fracasso, a derrota e a não conexão como algo certo. Dar o caso como
perdido e me sentir livre para fazer o que ‘preciso’ fazer, sem saber onde vai
dar. Me sentir livre por não precisar agradar, não precisar ser aceito."
Muito bom Guidi! Assunto importantíssimo para nós, artistas!
ResponderExcluirAgora que eu vi que era mais isso aqui ó :
ExcluirMonolito. (pro Lenine) ( Pedro Ivo e Mauro Aguiar)
Ele tornou-se artista
esculpiu na pedra uma nave nova.
Seu grito compactado
era um pacto com o tempo que tudo leva.
O mercado estupefato
com o artefato do Olimpo:
solicitava sedento
à tanto talento inato,
outro artefato infinito
do mesmo corte perfeito,
Ele então tentou um salto
perto do primeiro parto
que lhe custou tanto tempo.
não querendo na peça nova
a cópia do totem passado,
pensou em esculpir contudo
com o mesmo gesto ensinado
só que fazendo distinto!
nada querendo datado!
Ecoou o mesmo mito
no mesmo grito encantado
do monolito por dentro,
ou visto por outro lado.
um outro canto do canto,
(aquele corte perfeito)
só que recompactado.
O mercado agradecido
No entanto não saciado
Quer tudo repaginado
E lá vai o artista tornado
Esculpir uma nova nave
Num monolito sonhado
Do outro lado do tempo
O seu único aliado.
Cismo em ser ostra
ResponderExcluirAstro escuso. Outra Regra.
Enovelo-me em ponto
De cabra-cega.
Preciso de escudos
Contra quais setas?
Acasalo-me com o ocaso.
Mergulho raso. Rezo baixo
Dentro do nada.
Agora tudo é um silêncio
De fracasso.
Como num jogo
Eu digo: passo
E passo
sem ser visto.
Cataclismo baço.
Antro atado ao malogro
no tempo escasso.
E a ostra que posso ser
É também breve prefácio
De cadafalso.