quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Vamos falar de fracasso

Este texto é uma ode ao fracasso. E não porque eu o ame, mas porque o temo. Assim sendo, desejo estabelecer uma relação mais íntima com ele, uma vez que acredito que somente assim conseguirei ficar tranquila em sua presença, ou com a possibilidade de seu aparecimento.
Temer o fracasso é um grande empecilho artístico. Vejo que em mim isso tem graves consequências, pois, se não temo fracassar da mesma forma que um artista consagrado talvez tema, certamente tenho medo de fracassinhos. E este temor acaba tendo grande influência sobre o meu trabalho.
Há tempos queria escrever sobre isso, mas foi apenas depois de ler o “Ensaio sobre o fracasso”, de Fause Haten, que senti ser aquela a gota d’água. Eu tinha que falar sobre o tema. Diz ele: “Só considerando o fracasso como um fato é que fico livre como artista para experimentar, correr riscos e seguir meus instintos”. Com esta frase me senti atingida e, ao mesmo tempo, feliz pela percepção que me veio.
Quem vive com medo de fracassar, de decepcionar os outros, de ser uma vergonha para a família, acaba vivendo uma sensação de fracasso perene. É como se houvesse sempre uma pessoa (você) te falando “não faça isso, não vai dar certo”, sempre te incentivando a não ousar, a não arriscar, a permanecer na mesma, ou até mesmo a desistir. Mas que bom é saber que esta condição não é definitiva, e nem este pensamento. É bom saber que eu posso, de agora em diante, me levantar e fracassar com propriedade, a propriedade de quem acredita em si, e, exatamente por isso, talvez nem mesmo veja como fracasso aquilo que é julgado como tal. E, assim como a atitude derrotista de nem mesmo tentar para não fracassar não é definitiva, os fracassos também não são definitivos. Depois deles, o que esperar? Mais fracassos? Pode até ser, mas a persistência nos ensina que vitórias e derrotas costumam se intercalar. Bem difícil que seja só fracasso, do início ao fim.
Elizabeth Gilbert, a escritora de Comer, rezar, amar, deu uma ótima palestra (TED Talks) sobre fracasso, sucesso e devoção à sua paixão, que é escrever. Entre muitas coisas interessantes, Elizabeth fala sobre o quanto se sentiu preocupada ao escrever o livro sucessor de Comer, rezar, amar, sabendo que dificilmente este teria o mesmo sucesso que o anterior. Mas com o tempo foi entendendo algo muito importante: “Eu amava mais escrever do que odiava ter fracassos ao escrever, e isso queria dizer que eu amava mais escrever do que amava meu próprio ego, e isso por sua vez queria dizer que eu amava mais escrever do que amava a mim mesma.” A escritora, que usa o conceito de “lar” para definir esta paixão que toda pessoa tem, diz que “seu lar é: aquela coisa para a qual você dedica suas energias com tanta devoção que os resultados se tornam indiferentes”. Meu lar é cantar, e os resultados deste canto, ótimos ou péssimos, nunca me impedirão de continuar cantando. Elizabeth nunca irá parar de escrever. Nós duas nunca iremos deixar de voltar para nossos lares.
Vejo que abordo muitos assuntos pouco confortáveis, como idade e beleza do artista, decepções, críticas maldosas e agora o fracasso, mas isso é proposital. Quero abordar os assuntos que nós, como profissionais da arte, tentamos ao máximo evitar. Observo que temos o hábito de colocar nas redes sociais apenas nossas vitórias, nossos sorrisos, nossos selfies lindos com pessoas que amamos. Isso é valorizar os bons momentos, e é bacana. Mas o fracasso também tem grande valor, e não deve ser deixado de lado, ou melhor, não deve se varrido para debaixo do tapete. Não precisa ser divulgado aos quatro ventos, mas precisa ser admitido internamente (eu, pessoalmente, me sinto mais forte ao transformá-lo em texto). Se o fracasso nos leva a tantas crises interessantes, a tantas descobertas, não é muito saudável fingir que este nunca o visita. Primeiro que ninguém vai acreditar, e segundo que nem mesmo você irá se convencer. Por isso, acho importante abordarmos os momentos difíceis e as questões idem. Acredito que a vida deva ser celebrada com todas as suas nuances, todas as suas dores e delícias, todas as verdades que, no fundo, fazem muito mais bem do que imaginamos. Falar sobre fracasso é falar sobre algo comum a todos. 
Recomendo fortemente a leitura do texto de Fause Haten, mencionado no início desta postagem, para que o mesmo seja desfrutado do início ao fim. Eu, por tê-lo saboreado com tanto gosto, coloco mais um pouco do mesmo aqui, para fechar com chave de ouro: “Considerar o fracasso, a derrota e a não conexão como algo certo. Dar o caso como perdido e me sentir livre para fazer o que ‘preciso’ fazer, sem saber onde vai dar. Me sentir livre por não precisar agradar, não precisar ser aceito." 

3 comentários:

  1. Muito bom Guidi! Assunto importantíssimo para nós, artistas!

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    1. Agora que eu vi que era mais isso aqui ó :

      Monolito. (pro Lenine) ( Pedro Ivo e Mauro Aguiar)

      Ele tornou-se artista
      esculpiu na pedra uma nave nova.
      Seu grito compactado
      era um pacto com o tempo que tudo leva.

      O mercado estupefato
      com o artefato do Olimpo:
      solicitava sedento
      à tanto talento inato,
      outro artefato infinito
      do mesmo corte perfeito,

      Ele então tentou um salto
      perto do primeiro parto
      que lhe custou tanto tempo.
      não querendo na peça nova
      a cópia do totem passado,
      pensou em esculpir contudo
      com o mesmo gesto ensinado
      só que fazendo distinto!
      nada querendo datado!

      Ecoou o mesmo mito
      no mesmo grito encantado
      do monolito por dentro,
      ou visto por outro lado.
      um outro canto do canto,
      (aquele corte perfeito)
      só que recompactado.

      O mercado agradecido
      No entanto não saciado
      Quer tudo repaginado
      E lá vai o artista tornado
      Esculpir uma nova nave
      Num monolito sonhado
      Do outro lado do tempo
      O seu único aliado.

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  2. Cismo em ser ostra
    Astro escuso. Outra Regra.
    Enovelo-me em ponto
    De cabra-cega.
    Preciso de escudos
    Contra quais setas?
    Acasalo-me com o ocaso.
    Mergulho raso. Rezo baixo
    Dentro do nada.
    Agora tudo é um silêncio
    De fracasso.
    Como num jogo
    Eu digo: passo
    E passo
    sem ser visto.
    Cataclismo baço.
    Antro atado ao malogro
    no tempo escasso.
    E a ostra que posso ser
    É também breve prefácio
    De cadafalso.

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