sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Música no metrô

Há um ou dois meses estava eu no metrô, fazendo o trajeto Glória-General Osório, quando um casal de músicos entrou no vagão onde eu me encontrava. A música deles me conquistou de cara. Comprei um CD da dupla Maga e Marcelino e ainda dei o meu a eles, de presente. Fiquei com o pocket-show na cabeça, pois a musicalidade ali era mesmo impressionante. A dupla interpretara uma canção latina – não sei se era um candombe ou outro ritmo – e depois “Conto de areia”, eternizada na voz de Clara Nunes. Esta última ficou especialmente bela com o sotaque hermano deles.
Pouco depois Maga entrou em contato comigo, graças ao CD que havia deixado com eles, e fiquei de filmá-los no metrô. Finalmente anteontem pude acompanhá-los em um dia de trabalho nos vagões. Apenas por uma hora pude estar com eles, mas foi precioso.
Foi precioso porque a música deles é um deleite, mas também foi precioso porque há tempos eu queria falar sobre os músicos do metrô em um texto, mas não sabia exatamente por onde começar. E é claro que depois de estar com eles entendi melhor o que eu sentia em relação aos músicos de rua/viajantes.
Começando a explanação: sempre me sinto na obrigação de ajudar os músicos do metrô. E por que sinto isso? 1) A música sempre é boa e me deixa mais feliz; 2) também sou musicista; 3) e, ainda por cima, sou uma musicista que já dependeu e vez ou outra ainda depende de passar o chapéu. Por todas estas razões, fico comovida. Me comovo com a coragem que têm de entrar em um ambiente onde podem ser hostilizados. Fico comovida com o fato deles encararem a realidade de forma proativa, vendo a questão financeira como algo solucionável, bastando, para isso, sair da zona de conforto.
Daí percebi, com Maga e Marcelino – cujo trabalho atende pelo nome de La Contra Tango –, que há, por parte do público, ao mesmo tempo que uma resistência inicial, um deixar-se seduzir. Foi bonito observar as pessoas sendo pegas de surpresa e, mesmo assim, se deixando levar, embalando-se ao som deles, não resistindo à música. Observei os sorrisos; a forma como algumas pessoas saíam do vagão, mais felizes do que estavam. Música (não) é brincadeira, mesmo. Muda estado de espírito, melhora o dia.
Quem está escrevendo este texto é uma pessoa que gosta muito de ler no metrô e no ônibus. Que aproveita estes momentos e coloca a leitura e também a escrita em dia. Em um primeiro momento, pode ser que aquela música me faça pensar: agora eu queria silêncio, e não som. Mas basta que se passem alguns segundos para a música me pegar, me fazendo esquecer da leitura. Digo isso para explicitar que entendo quem não gosta de música no metrô, por querer exatamente um momento de relativa tranquilidade (não estamos falando da hora do rush, pois os músicos não se apresentam nestes horários).
Mas também observei, em um dos vagões que nós três entramos, que existe uma resistência que talvez seja mais do que uma vontade de ficar sossegado, em (relativo) silêncio. Um caso me chamou bastante a atenção: um rapaz jovem, de terno e gravata e imensos headphones nos ouvidos, assim que viu o casal se preparando para a apresentação, se mexeu na cadeira, incomodado, e prontamente resolveu se levantar e sair, para trocar de vagão. Gesticulava e reclamava (não dava para ouvir exatamente suas palavras, pois falava baixo) daquela situação, olhando para a dupla de cantantes com bastante indignação. Só entendi um ”não pode” ou algo do tipo, mas a linguagem corporal disse tudo.
Pensei que ali o caso não me parecia ser o do “quero sossego”. O rapaz estava, como disse, com headphones enormes. Um parêntese: certa vez, em 2007, eu estava no metrô quando foliões do Bola Preta entraram no vagão. Eu estava com humildes fones pequeninos, e não ouvi absolutamente nada, pois coloquei o volume no máximo. Ou seja: provavelmente o rapaz sairia incólume daquela viagem. Não era preciso sair do vagão. Mas tendo a achar que a questão é outra. Parece um disparate, uma afronta, dois jovens – tão jovens quanto o rapaz engravatado – viajarem pelas Américas fazendo música, tendo a coragem de usar o talento como ganha-pão, não deixando morrer a arte dentro de si - arte esta que todos nós carregamos (e onde será que alguns de nós a escondemos?). Ficou, para mim, a forte impressão de que Maga e Marcelino, assim como outros músicos, poetas, artistas plásticos, performers etc. acabam dando uma chacoalhada na rotina das pessoas, e isso nem sempre é positivo, dependendo do receptor: às vezes é dolorido perceber que os caminhos podem ser outros, menos engessados. Que existem, sim, outras opções, outras formas de vida. Que quem escolhe somos nós, e que bem raramente pode-se dizer “não tive escolha”. Por isso (e digo de cadeira, para variar), pode doer ver que a vida que construímos poderia ter sido diferente – mais ousada, mais movimentada, mais aventureira.
(Jamais quero dizer que uma pessoa de terno e gravata seja infeliz – sei de pessoas com uma vida aparentemente convencional que colocam em prática seus sonhos, sendo extremamente realizadas e felizes. Apenas me pareceu bem forte a questão do incômodo não ser a música, e sim o pacote que o La Contra Tango trazia, juntamente com a música. A liberdade vista assim, tão de perto, pode doer como um tapa, caso se esteja muito longe de sua própria natureza.)
Neste mesmo dia um senhor, que assistiu ao pocket-show e aparentemente gostou, “desafiou” Maga a definir a palavra “saudade”. Pediu isso com uma nota de dinheiro na mão, e enquanto Maga não respondia, ele não entregava o dinheiro. Sutil forma de violência, como a própria Maga definiu. Quis mostrar que quem mandava ali era ele. Por quê? Porque, realmente, estes músicos são uns sem vergonha: têm coragem para fazer o que amam, ganham algum dinheiro com isso (uau, quanta grana!) e, ainda por cima, são bons. Um disparate!
Bom, esta é minha leitura. Foi o que percebi, tendo como bagagem diversas experiências similares. É que parece que, por estarmos nos divertindo no palco, talvez não haja a necessidade de sermos pagos. Talvez, por ser algo gostoso de se fazer, não seja difícil. Talvez, por ser bonito, um ato de comunhão, fique meio estranho chamar aquilo de profissão, trabalho. E, se você não está trabalhando, não merece muito respeito.
Acho que é o contrário. O conceito de trabalho é que deve mudar. Mas este papo é longo e muito pessoal, quiçá espinhoso. Só acho importante que se lembre que todos os seres humanos têm um lado artístico. Por isso, não há necessidade de nos distanciarmos das Magas e Marcelinos que aparecem em nossas vidas, nos conquistando/provocando com suas artes. Todos nós temos um lado aventureiro e descompromissado, e é importante dar vazão a ele. 
E, se possível, nos deixemos embalar pelos momentos inesperados e pelos encontros. Como quando La Contra Tango entra no metrô e nos tira do torpor da rotina.

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