sexta-feira, 7 de agosto de 2015

O olhar privilegiado

“Em resumo bem resumido, Temperos é um álbum de MPB. A sigla é genérica, e por isso é bem cabível aqui. Dona de um registro afinado e bonito, Guidi Vieira se cercou de arranjos corretos e canções bacanas para mostrar que os tempos de rock já eram. E é justamente esse o ponto que faltou para o disco. A releitura de ‘Tigresa’ esclarece tudo. A afinação e o acordeon trabalham em conjunto, para uma leitura que dispensa qualquer sensualidade ou calor. As demais faixas são bonitas, mas pecam na falta de… bem… de tempero, mesmo. Em resumo, para quem procura um disco legal, com canções legais para ouvir no carro, Temperos é uma boa dica. Quem precisa de mais, sugiro acompanhar a carreira da moça para ver o que ela nos reserva.”
Ao ler esta crítica, feita por Marcos Sampaio, do jornal O Povo, imediatamente lembrei de outra que havia lido anos antes, em alguma das muitas publicações que resenharam o primeiro CD do Pic-Nic, minha antiga banda de rock:
“...Guidi imprime uma leveza nas palavras que nos deixa feliz. Nem mesmo as leves tremidas, talvez pelo nervosismo de estar gravando um disco, atrapalha em algo.”
Ambas me trouxeram uma sensação bem parecida: “Será que apenas eles sacaram isso? Ou todos sacaram, mas eles foram os únicos que resolveram falar sobre estas questões?”
Achei bem interessante a crítica feita ao CD do Pic-Nic. Será que ninguém havia notado que minha voz estava tremida? Eu achava aquilo flagrante, e me incomodava bastante. O crítico acertou na mosca: a voz tremida era puro nervosismo por estar gravando um disco pela primeira vez. E exatamente por ser totalmente inexperiente, não havia insistido em corrigir, gravar de novo. Saiu assim. O disco foi bastante elogiado (lembro apenas de uma crítica onde a arte do CD, totalmente manual, foi ligeiramente esculachada, mas o som foi exaltado); mandamos nosso material para um bando de revistas e sites e tivemos resultados muito bons. Ninguém se referiu à minha voz tremida, apenas esta pessoa da crítica citada.
Meu CD Temperos também foi muito elogiado. E sei que muitos críticos gostaram, de coração (a maioria deles nunca tinha ouvido falar de mim). Penso que o resultado realmente ficou bom, pois foi feito com muito cuidado. Mas achei bem interessante a referência do jornalista do O Povo ao rock, ou melhor, à falta deste. Porque hoje penso que seria sim, bacana, ter deixado este meu lado, tão forte, ter aparecido, mesmo que levemente. Mas na época fiz exatamente da forma que queria, e o CD saiu brazuca, do jeito que eu almejava. Só que ficou evidente (ao menos para o Marcos Sampaio) que o rock poderia apimentar um pouco mais minha interpretação, poderia ter dado mais calor ao meu trabalho, e poderia ter se misturado à brasilidade (sabemos que esta mistura é boa). Nisso, concordo. Também concordo com o que ele disse em relação à minha interpretação de “Tigresa”. Já nem canto mais esta canção nos shows, pois amo a música e não quero continuar interpretando uma canção tão bonita sem ter todo o sentimento que a mesma pede. O lance é: não concordo com tudo o que ele disse, mas que achei impressionante ele ter mencionado estes dois pontos, como se estivesse lendo meus pensamentos, isso eu achei. 
Tenho plena consciência de que vivo em uma bolha, e de que vai ser difícil alguém me massacrar por agora, pois minha projeção ainda é a de uma artista independente. Acho difícil que alguém seja implacável comigo neste momento, por uma questão de entender o esforço de uma artista em seu primeiro trabalho solo, mas também acredito que de fato muitos adoraram o trabalho. Mas será que eles têm algo a me dizer que eu adoraria saber, para poder melhorar? Algo de que já desconfio, ou algo de que não tenho ideia, mas que de qualquer forma poderia me ajudar a desenvolver o que faço, em algum sentido?
O lance é que desde que ouvi Julio Adrião dizer, em uma oficina de teatro narrativo, que o olhar do outro é o “olhar privilegiado”, e que o mesmo vale ouro por ver aquilo que muitas vezes não vemos, fiquei fascinada com esta ideia. O que será que não vejo em mim? Ou: o que será que vejo e penso que ninguém mais vê, e por isso não dou muita importância à melhoria disso?
Existem estes dois lados: implicamos com certas coisas sobre nós que muitas vezes são até boas, características marcantes. Mas também ignoramos certas coisas sobre nós (não sabendo, mesmo, ou sabendo e deixando pra lá) que um olhar de fora poderia apontar e fazer abrir nossos olhos.
Existem críticas que são pura implicância. Existem críticas que são gentileza pura, incentivo, ajuda. A primeira, nem precisamos falar sobre, é boba demais. A segunda é generosa. E a terceira é onde acho que se enquadra a crítica de Sampaio: sem nenhum resquício de sadismo, ele apontou o que acha que pode ser melhorado. Numa relax, numa tranquila, numa boa.

E ele ainda fecha com chave de ouro quando diz: “Quem precisa de mais, sugiro acompanhar a carreira da moça para ver o que ela nos reserva.” Mais uma vez, ele sacou - também estou louca para saber o que vou fazer, e louca para descobrir o que estou preparando para mim.


Nenhum comentário:

Postar um comentário