“Em resumo bem resumido, Temperos é um álbum de MPB. A sigla é genérica, e por isso é bem cabível aqui.
Dona de um registro afinado e bonito, Guidi Vieira se cercou de arranjos
corretos e canções bacanas para mostrar que os tempos de rock já eram. E é
justamente esse o ponto que faltou para o disco. A releitura de ‘Tigresa’
esclarece tudo. A afinação e o acordeon trabalham em conjunto, para uma leitura
que dispensa qualquer sensualidade ou calor. As demais faixas são bonitas, mas
pecam na falta de… bem… de tempero, mesmo. Em resumo, para quem procura um
disco legal, com canções legais para ouvir no carro, Temperos é uma boa dica. Quem precisa de mais,
sugiro acompanhar a carreira da moça para ver o que ela nos reserva.”
Ao ler esta crítica, feita por Marcos Sampaio, do jornal O Povo, imediatamente lembrei de outra
que havia lido anos antes, em alguma das muitas publicações que resenharam o
primeiro CD do Pic-Nic, minha antiga banda de rock:
“...Guidi imprime uma leveza nas
palavras que nos deixa feliz. Nem mesmo as leves tremidas, talvez pelo nervosismo
de estar gravando um disco, atrapalha em algo.”
Ambas me trouxeram uma sensação bem parecida: “Será que
apenas eles sacaram isso? Ou todos sacaram, mas eles foram os únicos que
resolveram falar sobre estas questões?”
Achei bem interessante a crítica feita ao CD do Pic-Nic. Será
que ninguém havia notado que minha voz estava tremida? Eu achava aquilo
flagrante, e me incomodava bastante. O crítico acertou na mosca: a voz tremida
era puro nervosismo por estar gravando um disco pela primeira vez. E exatamente
por ser totalmente inexperiente, não havia insistido em corrigir, gravar de
novo. Saiu assim. O disco foi bastante elogiado (lembro apenas de uma crítica
onde a arte do CD, totalmente manual, foi ligeiramente esculachada, mas o som
foi exaltado); mandamos nosso material para um bando de revistas e sites e
tivemos resultados muito bons. Ninguém se referiu à minha voz tremida, apenas
esta pessoa da crítica citada.
Meu CD Temperos
também foi muito elogiado. E sei que muitos críticos gostaram, de coração (a
maioria deles nunca tinha ouvido falar de mim). Penso que o resultado realmente
ficou bom, pois foi feito com muito cuidado. Mas achei bem interessante a
referência do jornalista do O Povo ao
rock, ou melhor, à falta deste. Porque hoje penso que seria sim, bacana, ter
deixado este meu lado, tão forte, ter aparecido, mesmo que levemente. Mas na
época fiz exatamente da forma que queria, e o CD saiu brazuca, do jeito que eu
almejava. Só que ficou evidente (ao menos para o Marcos Sampaio) que o rock
poderia apimentar um pouco mais minha interpretação, poderia ter dado mais
calor ao meu trabalho, e poderia ter se misturado à brasilidade (sabemos que
esta mistura é boa). Nisso, concordo. Também concordo com o que ele disse em
relação à minha interpretação de “Tigresa”. Já nem canto mais esta canção nos
shows, pois amo a música e não quero continuar interpretando uma canção tão
bonita sem ter todo o sentimento que a mesma pede. O lance é: não concordo com
tudo o que ele disse, mas que achei impressionante ele ter mencionado estes
dois pontos, como se estivesse lendo meus pensamentos, isso eu achei.
Tenho plena consciência de que vivo em uma bolha, e de que
vai ser difícil alguém me massacrar por agora, pois minha projeção ainda é a de
uma artista independente. Acho difícil que alguém seja implacável comigo neste
momento, por uma questão de entender o esforço de uma artista em seu primeiro
trabalho solo, mas também acredito que de fato muitos adoraram o trabalho. Mas
será que eles têm algo a me dizer que eu adoraria saber, para poder melhorar?
Algo de que já desconfio, ou algo de que não tenho ideia, mas que de qualquer
forma poderia me ajudar a desenvolver o que faço, em algum sentido?
O lance é que desde que ouvi Julio Adrião dizer, em uma
oficina de teatro narrativo, que o olhar do outro é o “olhar privilegiado”, e
que o mesmo vale ouro por ver aquilo que muitas vezes não vemos, fiquei
fascinada com esta ideia. O que será que não vejo em mim? Ou: o que será que
vejo e penso que ninguém mais vê, e por isso não dou muita importância à
melhoria disso?
Existem estes dois lados: implicamos com certas coisas sobre
nós que muitas vezes são até boas, características marcantes. Mas também
ignoramos certas coisas sobre nós (não sabendo, mesmo, ou sabendo e deixando
pra lá) que um olhar de fora poderia apontar e fazer abrir nossos olhos.
Existem críticas que são pura implicância. Existem críticas
que são gentileza pura, incentivo, ajuda. A primeira, nem precisamos falar
sobre, é boba demais. A segunda é generosa. E a terceira é onde acho que se
enquadra a crítica de Sampaio: sem nenhum resquício de sadismo, ele apontou o
que acha que pode ser melhorado. Numa relax, numa tranquila, numa boa.
E ele ainda fecha com chave de ouro quando diz: “Quem precisa de mais, sugiro acompanhar a
carreira da moça para ver o que ela nos reserva.” Mais uma vez, ele sacou -
também estou louca para saber o que vou fazer, e louca para descobrir o que
estou preparando para mim.
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